autoestima

Apropriação cultural existe?

23 jul 2017 • por Aretha Soyombo • 19 Comentários

Há muito tempo eu venho pensando em fazer ou não um texto sobre apropriação cultural. Se eu ganhasse 1 real a cada vez que alguém viesse no meu inbox pedindo pra discutir o caso eu estaria discutindo o caso com a pessoa em Nova York. Eu estava bastante receosa em fazer esse texto porque queria e quero evitar problemas pro meu lado. Você não é obrigado a concordar comigo, mas eu acho que é necessário haver empatia pela causa alheia, sempre. Independente de qual seja.

Muitas pessoas me perguntam “Aretha você acha que apropriação cultural existe?” “Aretha, eu posso fazer isso ou vai ser apropriação cultural?”

Primeiro, apropriação cultural existe sim. Mas no meu ponto de vista isso é uma consequência e responsabilidade principalmente da sociedade que a gente vive como um todo e não apenas do indivíduo único que fez e usa determinadas coisas. A gente vive em uma sociedade que sempre institucionalizou e padronizou uma estética branca europeizada. Ou seja, nós temos uma cultura dominante. Além disso, existe todo o motivo do capitalismo estar diretamente envolvido no que diz respeito à apropriação cultural. E segundo: você faz o que você quiser da sua vida, Deus nos deu o livre arbítrio pra isso mesmo, quem sou eu na fila do pão pra te julgar? No entando, como eu já disse antes, é necessário ter consciência da cultura que você está se apropriando.

apropriacao cultural

Tem um vídeo da Amandla Stemberg que se eu pudesse eu obrigaria todo mundo assistir, e nesse vídeo ela fala uma frase simples e rápida de entender: “A apropriação cultural é quando uma cultura que sempre foi marginalizada passa a ser valorizada quando uma cultura dominante se apropria de tal”. Então aquele argumento de “Ah eu vejo muitas mulheres negras que alisam o cabelo e pintam de loiro então é apropriação cultural também.” Não. Não é.  Primeiro porque cabelo é uma característica do fenótipo e não cultura. Depois que o motivo pelo qual essa mulher negra alisou o cabelo e pintou de loiro foi justamente pra se adequar a uma cultura dominante. A cultura padrão. Essa mulher negra alisou o cabelo porque desde sempre ela aprendeu que o cabelo dela não era adequado. Muito menos bonito o suficiente. O cabelo natural dela não era aceito.

E no Brasil?

A questão da apropriação cultural é muito debatida no Brasil hoje em dia principalmente no que diz respeito ao uso das tranças e do turbante. O principal problema que acontece é que a cultura marginalizada só é valorizada quando ALGUÉM da cultura dominante usa tal acessório ou tal penteado, roupa etc. Então nem rola a questão de que “a cultura dominante ajuda a trazer visibilidade pra cultura esquecida”. Porque quando alguém negro, por exemplo, usa turbante ou tranças, ele ainda é apontado, julgado, humilhado por fazer uso de sua própria cultura, enquanto o contrario não acontece. Eu não estou dizendo que sempre é assim em todos os casos. Mas eu já ouvi muitos relatos de mulheres negras que já perderam o emprego porque as tranças que usavam “não se adequavam” ao ambiente de trabalho.

apropriacao-cultural

Um caso ótimo para ilustrar essa situação é o caso da fic da menina de Curitiba que supostamente tinha sido agredida por mulheres negras por usar turbante. Na época vieram perguntar o que eu achava disso e eu fiquei super “Meu deus se a menina vai usar pra se sentir mais bonita e ter forças pra superar a doença: só vai”. Foi um auê, todo mundo saindo em defesa da menina. Vários textos e compartilhamentos no Facebook até descobrirmos que tudo não passava de uma bela mentira. Uns meses depois uma mulher negra foi na festa formatura de um amigo e foi agredida fisicamente e verbalmente justamente por usar o turbante. Eu não vi o mesmo tanto de textão saindo a favor da mulher nesse caso. Apenas observei esse rolê.

Mais textos com reflexões aqui!

Essa semana duas atrizes loiras fizeram tranças em seus cabelos. Isabella Santoni e Gabi Lopes. A primeira que eu vi com as tranças foi a Isabella Santoni. Eu fiquei meio sem entender a princípio, não sabia se era para um personagem ou não. Depois que eu stalkeei mais no instagram vi um vídeo dela enquanto fazia as tranças falando igual “nigga”. Foi ai que eu não entendi mais nada. Nos comentários, a galera exaltando as duas atrizes, li ate uma comparação entre a Gabi Lopes e a Beyonce em Lemonade (risos eternos). A Isabella Santoni nem se pronunciou sobre o caso.

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A Gabi Lopes deveria ter seguido a mesma atitude da amiga, uma vez que todos os comentários que eu vi vindo dela eram hipócritas. Eu me senti bem desrespeitada, uma vez que várias mulheres negras que comentaram NA BOA explicando sem xingamentos o porquê era considerado apropriação cultural o penteado. Ela respondeu com ironias e mostrando uma falta de consciência muito grande sobre toda a situação. As tranças são simbólicas para nos mulheres negras. Representa resistência. Eu sempre usei, como já disse outra vez em um texto aqui.

Texto sobre tranças e representatividade negra

E na época de colégio já me zoaram falando que era cabelo de plástico etc. Hoje, em mulheres como Gabi Lopes é exaltado, é lindo, é estiloso. Pra Gabi Lopes e Isabella Santoni as tranças só são moda. Elas não se importam nem um pouco com quantas mulheres negras continuam sendo marginalizadas justamente por usarem tais. Lembrando que eu falo sobre as tranças e os turbantes e sobre outras questões relacionadas à causa negra porque têm a ver com situações que eu vivo. Mas existem varias outras culturas, não negras, que são apropriadas, mas eu não tenho domínio pra discutir e debater. Um exemplo disso é o Happy Holi, aquele festival de cores que é uma apropriação cultural da cultura indiana.

Finalizo meu texto deixando claro que eu não estou aqui pra julgar uma pessoa branca que usa turbante ou não. Que faz tranças ou não. Eu acho importante e necessário cada um ter consciência do que está “se apropriando” e caso use fazer o que for possível pra desconstruir o preconceito e marginalização existente na sociedade atual.

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19 Comentários
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  17. Ana Júlia   ///   26/07/2017 - 12H13

    Achei o texto incrível, permite abrir a mente, pensar de forma mais crítica e social, conheço muito pouco sobre a perspectiva afro e só é possível por meio de depoimento e de informações aprender um pouco mais sobre uma cultura tão rica e pouco valorizada ainda hoje, infelizmente. É muito importante essa luta por direito e reconhecimento, a informação e as ideias são o campo que deve ainda ser muito trabalhado no Brasil, em que há um patriarcalismo retrogrado e uma dominação cultural vergonhosa, que limita nossa mente e perspectivas.

  18. Ana Celia   ///   25/07/2017 - 12H40

    Texto vazio e sem propriedade que o fundamenta. Quanto a fazer tranças: Era comum, e muito comum, no interior do Brasil á alguns anos atrás as mulheres e todas meninas fazerem tranças em seus cabelos. Quanto mais cabelos e quanto maior eram, mais tranças se faziam. Por que será? Vou deixar vc pesquisar… . Se não encontrar a resposta me pergunte. Quanto aos turbantes: quase pelo mesmo motivo do uso das tranças, era comum as mulheres o usarem. Porem o povo não chamavam aquele pano amarrado na cabeça de “turbante”. Tinha outro nome. O que mudou é o olhar de pessoas atuais, que não possuem nenhum conhecimento histórico e cultural da historia regional interiorana do nosso pais, dão para situações que eram muito comuns.

    • Aretha Soyombo   ///   25/07/2017 - 11H44

      Olá, Ana Celia, primeiramente gostaria de agradecer por expor seu ponto de vista, é sempre importante ver outras opiniões para debatermos sobre um determinado assunto, ainda mais sobre apropriação cultural que é um assunto bem polemico, digamos assim. No entanto, gostaria primeiro de falar que quando você diz que meu texto é vazio e sem fundamentos, eu estou aqui pra te falar que NÃO, ele não é vazio, muito menos sem fundamentos. Eu escrevo para um blog, ou seja, é um texto que está aqui pra ser acessível a todas as pessoas, e eu os fundamento com base em autores que eu conheço aliado a fatos históricos e minhas vivências enquanto mulher negra. Não acredito que aqui seja o lugar para um texto acadêmico. Claro que talvez para algumas pessoas de classe dominante que cresceu num país racista onde o que predominava, e predomina até hoje, é uma cultura padronizada europeia, é difícil entender esse ponto de vista, então acredito que de fato, seja “incomum” ver que uma jovem negra não só tem conhecimento, como também expõe os pensamentos sobre esses assuntos, coisa que, provavelmente, não era muito comum na sua época. Alem disso, quando você refuta meus argumentos, com base em que voce os faz? Minas Gerais sendo um estado com resquícios bem escravocratas, as tranças e turbantes (ou lenços, como voce mesma disse) sao heranças de quem? Historicamente falando, das escravas que foram trazidas pra ca, e isso é claro pois nos livros de historia podemos ver como as mulheres negras da epoca eram retratadas, sempre com turbantes, e mulheres brancas nao. Mas claro que elas nao tiveram essa visibilidade por nao ser relevante o suficiente esse “enaltencimento” a elas. Como eu deixei claro no texto, ninguém era obrigado a concordar com o meu ponto de vista. O fato de voce usar tranças ou o que quer que seja na sua terra, nao caracteriza o que eu trabalhei no meu texto, uma vez que eu deixei claro que o principal responsavel pela apropriacao cultural é a midia. Quando voce, por exemplo, usava não tinha uma midia para ditar se aquilo era moda ou nao. Nao tinha uma midia para surrupiar uma cultura dizendo que estava ou era bonito porque alguem de classe dominante estava usando. Mas muito obrigada pelo seu comentario   voce deu voz para muitas pessoas que provavelmente se incomodam com o fato de terem que reconhecer/admitir que estão fazendo uso de uma cultura originalmente afro. Beijos  

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